sábado, 10 de agosto de 2024

Bagual, o xucro

Bagual está nos dicionários de português e de espanhol, como regionalismo platino. Nesta nota vemos três possibilidades etimológicas: corruptela indígena do espanhol caballo, o nome de um antigo cacique da área platina (da tribo mbeguá), ou algum termo tupi-guarani. Todas estas hipóteses têm raiz no século XVI (até 1600), quando os cavalos chegaram da Europa.

Em português, refere-se a um cavalo semisselvagem, ou pessoa acavalada. O sentido estendeu-se do cavalo bravio para um sentido adjetivo (primeiro gado e outros animais, pessoas depois): xucro, intratável (v.: Wikcionário, Michaelis, Novo Aurélio). Consideremos que, em zona rural americana (não só platina), o personagem xucro ou rebelde muitas vezes é heroico ou admirável, não um vilão social. 

Em zona urbana, é mais provável considerar bagual como sinônimo de cavalo, seja no bom sentido (pessoa forte e valente; coisa legal) ou pejorativo (pessoa tosca e incivilizada; bicho arredio). A romantização do nativismo já levou a idealizar a grossura como virtude e a definir o gaúcho do campo como um bom selvagem, sensível sem deixar de ser bruto. No fim deste post, veja a canção "Espantando bagual".

Em espanhol (somente platino), o DRAE dá os dois sentidos (cavalo não domesticado, e pessoa insociável) e um terceiro, no feminino baguala: canto folclórico indígena, originalmente cantado em versos lentos, e acompanhado de percussão. Wikipedia em espanhol dá detalhes de todos estes usos platinos.

Nos países do Prata, o termo se associa primariamente com o rural e a liberdade do pampa, um sentido existencial e humano, bem além do animal. O canto improvisado dos diaguitas (norte argentino), desconhecido no Brasil, ganhou esse nome (v. vídeo de baguala) talvez pela extrema simplicidade, ou pela tristeza que vem do abandono e solidão.

A hipótese hispânica

Vocabulario Rioplatense Razonado (V.R.R.) explica tratar-se de corruptela do espanhol caballo, que na fala indígena teria dado cahual e depois bagual. 

  • O cavalo foi trazido pelos espanhóis, mas se fez selvagem ao espalhar-se, sem dono, pelos pampas ao sul de Buenos Aires. Os ameríndios ouviram dos conquistadores o nome (caballo) do animal que não conheciam e assimilaram em sua fala como cahuallu, cahuellu e cahual. Posteriormente, os espanhóis tomaram dos indígenas este último termo, adaptado na pronúncia castelhana como bagual, para referir-se aos animais que achavam em estado indômito, mantendo caballo para o manso. Ao voltar para os lábios espanhóis, depois de passar pelos dos indígenas, a palavra castelhana sofreu adjetivação (como selvagem, xucro, desobediente). - tradução sintetizada do V.R.R. (Granada, Magariños, Valera, 1890, p. 98-99).

Esta hipótese também é citada pelo brasileiro Nelson França Furtado (1969, verbete Bagual, p. 28). O argentino Héctor Zimmerman menciona duas, e esta é a secundária: o espanhol caballo foi transformado no guarani cavayú e no pampa cahual, sendo que deste último saiu "bagual", qualquer animal não domesticado ("Tres mil historias", Aguilar, 1999, p. 262).

A hipótese indígena

O Dicionário da Academia Espanhola (DRAE) dá como origem de bagual o nome de um cacique. O acima citado Zimmerman (1999), como explicação principal, diz ter este adjetivo procedência "do cacique querandi Bagual, famoso pela bravura e pelo nomadismo de sua tribo". Ele realmente existiu?

Achamos no blog Genealogia de Zárate um artigo sobre Juan Bagual, chefe dos querandis (carandins) ou mbeguás, grupo étnico que existiu nas planícies argentinas. A Academia Espanhola tem registros desde o século XVI das palavras bagual e beguá.

Desde a chegada dos espanhóis, muitos indígenas eram cristianizados em reduções fechadas; dizia-se que ficavam "encomendados" a um líder espanhol. Como mantinham sua liberdade, podiam fugir da redução. A seguir um resumo do artigo.

  • Em 1582 Juan Bagual ficou encomendado com sua tribo, fugiu em 1599, foi recapturado em 1604 e voltou a revoltar-se, suscitando ações militares do governo, que o fizeram entregar-se em 1610. Dele disse o governador Marín Negrón: "estes bárbaros são os mais fortes e duros de domar entre todas as nações do mundo". A redução de San José del Río Areco, atual município de Zárate, ficou conhecida como "del bagual"; ela ficou em ruínas em 1690 mas nas proximidades existe até hoje um povoado lembrando seu nome (Paraje El Bagual). Os seguidores desse cacique ficaram conhecidos como baguais, e quem o sucedia na liderança adotou o sobrenome, caso de Pedro de Bagual. Diz o texto que toda essa rebeldia (dos indígenas) originou o significado de "bagual" como animal ou pessoa selvagem ou asselvajada (v. artigo de Genealogia de Zárate).

E de onde veio o nome do cacique Bagual? Dos beguás? Ou os beguás tiveram esse nome pelos cavalos? Como não há mais notícia dessa tribo além do século XVI, provavelmente fosse um grupo pequeno, ou fosse um nome provisório, adotado em função de algum fator local ou de uma situação.

O etimologista Antônio G. Cunha (2007) diz que "bagual" tem origem guarani. Priberam considera que vem do tupi baguá, forma usada no Paraná, como se informa no Vocabulário Sul-rio-grandense (Globo, 1964). O mais explícito é Deonísio da Silva, que cita o étimo guarani mba'gwa, passando pelo espanhol platino bagual. Temos também no tupi mbiguá, pé redondo (nome do biguá ou cormorão), segundo Nelson França Furtado (1969, p. 30).

Luiz Carlos de Moraes (1935) diz que Granada (coautor do V.R.R.) propõe, como alternativa à hipótese hispânica (caballo - cahual - bagual), o seguinte argumento:

  • Os indígenas, que não conheciam o cavalo nem o boi, e não tinham palavras para nomeá-los, formaram expressões novas, em guarani. Designaram o boi tapira-ciui-aca-uara (grande como tapir, ruminante, chifrudo e estranho, estrangeiro). Com o cavalo, formaram mbaê-guara (coisa - estranha, desconhecida), palavra que foi fácil, tanto ao português como ao espanhol, transformar em "bagual", em referência ao cavalo selvagem, procedente daqueles trazidos da Europa em meados do século XVI. - L. C. Moraes, resumido do Vocabulário Sul-rio-grandense (1964, p. 49).
É mais esclarecedor buscar a origem de "bagual" do lado castelhano, onde está mais dicionarizado, há mais hipóteses etimológicas, mais história desde o século XVI, e mais lugares (rios, montanhas, povoados) batizados com esse nome. Por outro lado, todos os pesquisadores brasileiros consultados indicam origem platina ou indígena mas não sabem o significado. 

Qual o argumento mais provável? O trecho histórico abaixo parece sintetizar a melhor conclusão: que os beguás e os baguais seriam o mesmo grupo de indígenas. Juan Bagual devia ser seu chefe.
  • Los indios querandíes eran también conocidos por beguaes desde el siglo XVI. [...] El estado de rebeldía casi permanente en que vivieron los beguaes, beguales o baguales determinó que el nombre gentilicio de esos indios se utilizara muy justificadamente para designar el ganado alzado o cimarrón (registro histórico da Academia Espanhola). - Os querandis eram conhecidos também como beguás (...). Sua permanente rebeldia fez que o gentilício "beguá" servisse, muito justamente, para designar os animais fugidos ou bravios. 
Cacique: do taíno (povo caribe das Antilhas) kasike, rei, assimilado por outras línguas através do espanhol, já nos inícios do século XVI, sempre com o sentido de líder político, mandachuva.
Xucro: do quíchua chucru, duro, que passou ao espanhol como chúcaro e deste ao português. 
Platino (em espanhol, platense): relativo à bacia do Rio da Prata. Não se trata de um rio, mas de um grande estuário dos rios Paraná e Uruguai. A busca por prata (plata) e minérios nas montanhas originou a denominação também da Argentina, país central da região. 
Argentino (do latim argentinu), relativo à prata, prateado, argênteo. Os países platinos incluem Argentina, Uruguai, Brasil e Paraguai, sendo que Chile e Bolívia partilham alguns elementos culturais e geográficos. 

Espantando bagual
Mano Lima, 2000.
Putututu, 'temo domando,'Temo aprendendo, 'temo ensinando.
O homem é igual ao cavalo, quando é bom já nasce pronto,Mas a vida é que dá o pealo, para deixar de ser potro.O cavalo se ajeita no freio, e o homem na luta em que passa:Um se conhece em rodeio e o outro na causa em que abraça.
Putututu, 'temo domando,'Temo aprendendo, 'temo ensinando.
O mundo é que doma o homem, e o homem é que doma o cavalo:Uns atropelam no laço, e outros já nascem domados.Não sou xucro, nem domado; sou manso só de selim.Se me botarem no arado, quebro a coice o balancim.

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

O Parabéns gaúcho e 40 similares

No disco Andarengo (1969), José Mendes apresentou um canto de aniversário, alternativo ao mundialmente conhecido Happy Birthday (1875), música de Dimas Costa (1926-1997) e letra de Eleu Salvador (1932-2007). Confira a mesma música cantada mais recentemente pelo Tchê Barbaridade

Parabéns, parabéns, saúde e felicidade!
Que tu colhas, sempre e todo dia,
Paz e alegria 
Na lavoura da amizade!
estrofes recitadas

1. Que Deus velho te conceda, com a sua benevolência,
Muitas e muitas campereadas na invernada da existência!

2. Reunidos no mesmo afeto, te abraçamos neste dia!
E para que siga a festança repetimos com alegria!

Campereada (do espanhol camperear, sair a buscar no campo) é regionalismo portunhol (híbrido, não está no espanhol nem no português). A forma em português é campeirada (v. Michaelis). Dicionários registram campeiro e campeiragem (trabalho no campo); Priberam registra o verbo campeirar (cavalgar a trabalho). Na fronteira, é preciso seguir o significado em espanhol (combate, luta, campanha), não de um simples trabalho cotidiano. Na letra desta música, pode estar no sentido existencial de "temporada", fase de vida ou de trabalho.

Invernada (do espanhol platino invernada, invernadero), além do sentido de "tempo de frio e chuvas", no meio rural significa: pastagem de criação ou engorda, invernadouro, hibernáculo (Novo Aurélio, 1975); potreiro cercado para descanso ou outros fins (Vocabulário sul-rio-grandense, Globo, 1964). Assim como a figura da "lavoura da amizade", o autor criou uma metáfora rural para a vida como um tempo otimista, em que Deus cuida de nós para nosso crescimento.

Parabéns (plural de parabém): felicidades, congratulações. Assim como em espanhol (parabién, sem plural), o parabém (para+bem) é um sinal de felicidade, um presente divino, que veio para o bem. O subjuntivo implícito (seja "para bem") significa um desejo de coisas boas. O plural indica que os desejos são em grande quantidade: muitas felicidades, mil parabéns.

Além deste gaúcho de 1969, descobri que outros "parabéns brasileiros" quiseram substituir o americano. O primeiro na cronologia foi Feliz Aniversário, canto a 3 vozes, composto por Heitor Villa-Lobos em 1945, com letra de Manuel Bandeira (v. partitura).

Também houve uma brincadeira instrumental que Altamiro Carrilho (1924-2012) compôs para um admirador de Ubá (MG) como variações do Happy BirthdayChorinho para aniversário (gravação de 1957). O músico relatou esse episódio em 2010, numa entrevista com o Instrumental SESC Brasil (v. minuto 33:38).

Outra tentativa do mesmo músico teve maior sucesso: Parabéns pelo seu aniversário (Chegou a hora de apagar as velinhas), de Altamiro Carrilho e Irany de Oliveira, 1959. Divulgado pelo Carequinha e cantado em todo o país até hoje.

Uma opção mais recente, também famosa, é o Parabéns da Xuxa (Parabéns, hoje é o teu dia), de Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1987. Registrado na Wikipédia como o mais tocado em língua portuguesa, depois daquele clássico importado.

Confira outras 36 canções brasileiras originais para dar parabéns (com seus autores). A lista não é exaustiva. Haja criatividade!

Século XX

Século XXI

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Topônimos da fronteira sul

Barra do Chuí, ponto mais meridional do Brasil

Em postagens anteriores, analisamos a origem dos topônimos de duas mesorregiões gaúchas (Sudoeste e Sudeste), totalizando 44 municípios da zona de fronteira. Confira em: Cidades da Campanha e Cidades do extremo sul

Observamos os seguintes subtipos, somente considerando o substantivo central (sublinhado).

  • 60% nomes tomados da natureza: 11 topográficos (montes, vales), 10 cursos d'água que batizaram a localidade, 2 recursos naturais, 2 animais. Cristal foi tomado da fazenda da família de Bento Gonçalves, e esta da Sesmaria de Cristal. 
  • 18% pessoas homenageadas: 6 nomes de próceres, um gentílico, um tipo de personagem local.
  • 23% nomes religiosos: 6 do santoral católico, 3 denominações marianas (Santa Ana é mãe de Nossa Senhora). Um vicerrei espanhol foi homenageado mediante nome religioso (São Gabriel).

Nomes em português (70%)

NATUREZA

(13): 

30%

 

·   Cerrito, Encruzilhada do Sul, Morro Redondo, Pedras Altas, Rio Grande: topografia.

·   Arroio do Padre, Arroio Grande, Herval, Pelotas, Uruguaiana: nomes de rios/arroios.

·   Hulha Negra, Lavras do Sul: recursos naturais.

·   Cristal (fazenda).

SANTORAL

(10): 

23%

 

·   São Borja, São Francisco de Assis, São José do Norte, São Lourenço do Sul, Santa Margarida do Sul, Santa Vitória do Palmar: santos.

·   Rosário do Sul, Santana da Boa Vista, Sant'Ana do Livramento: marianos.

·   São Gabriel (homenagem a governador).

PESSOAS

(8): 

18%

·   Alegrete (marquês), Amaral Ferrador, Dom Pedrito, Manoel Viana, Pedro Osório, Pinheiro Machado: próceres.

·   Candiota (gentílico).

·   Garruchos (personagem).


Nomes indígenas (30%)

NATUREZA

(13): 

30%

·   Aceguá (vale), Bagé (cerros), Caçapava (mata) do Sul, Capão (bosque) do Leão, Itaqui (pedra), Maçambará (pasto): topografia.

·   Barra do Quaraí, Chuí, Jaguarão, Quaraí, Turuçu: nomes de rios/arroios.

·   Canguçu (onça), Piratini (peixe): animais.


Barra do Quaraí é o extremo ocidental do estado, a 717 km da capital.
Com a vizinha Uruguaiana forma uma península fluvial, ponta de terra rodeada pelos rios Quaraí e Uruguai, que dão nome aos municípios.

Imagem 1: blog 6 viajantes
Imagem 2: blog Quaraí Querência Querida.

domingo, 4 de agosto de 2024

Peixe-anual, o fênix dos pampas

Peixe anual é o nome popular de um gênero de peixinhos de água doce, coloridos, com nadadeiras em forma de raios, cujo tamanho pode oscilar entre 1 e 3 centímetros. Eles sobrevivem em ambientes extremos (poluídos, ou muito quentes, até mesmo com radiação), são predadores carnívoros e parecem ressuscitar depois de ter desaparecido totalmente, mortos pela seca estacional dos charcos onde vivem.

Devido a essa oscilação anual ou climática, também são apelidados "temporários", peixes-das-poças, peixes-do-céu ou das nuvens, por parecerem cair do céu quando volta a chover. O que realmente acontece é que a seca mata os adultos, fazendo desaparecer todos os indivíduos, mas preserva os ovos, os quais dão origem a novos peixinhos, que ao amadurecerem deixam mais descendentes. Essa resiliência os faz superar esta situação, já que não requerem a presença dos genitores.

O jornal pelotense A Hora do Sul informou neste fim de semana sobre o achado de novas espécies de peixes-anuais em nossa região (v. reportagem de Douglas Dutra). Duas grandes famílias existem na América do Sul e África, sendo espécies com características únicas em cada lugar. No Rio Grande do Sul já foram identificadas 40 espécies, segundo a reportagem. Há centenas em todo o mundo, e cada ano são descobertas dúzias delas. 

Por outro lado, como os charcos tendem a ser extintos pela agricultura, muitas espécies podem também extinguir-se e nunca ressurgir (seja pela falta de um novo charco, ou pela destruição dos ovos mediante agrotóxicos). O pampa é um bioma que facilita a existência destes peixinhos, mas não é fácil achá-los e é difícil saber quanto tempo a espécie seguirá existindo.

Pampa (do quíchua pampa, planície) veio do espanhol (la pampa), e passou a todos os idiomas, para denominar este ambiente natural, que no Brasil conhecemos como "o pampa", "os pampas", campanha ou campos sulinos. "Pampa" denomina também os grupos indígenas que viviam nesta zona (los pampas, no espanhol), e sua língua (el pampa). Em espanhol dá os adjetivos pampero e pampeano (português: pampeiro e pampiano).

Em nossa língua, "às pampas" equivale ao advérbio "vastamente", registram Michaelis, Priberam e Aurélio (1975); já "à pampa" pode significar tranquilo (Wikcionário). Em qualquer caso, está aí a influência do feminino no espanhol.

Recomendo a playlist PamPiano com Olinda Allessandrini, projeto pianístico com música inspirada na vida do pampa argentino e brasileiro.

Austrolebias camaquensis, uma das espécies achadas em Canguçu

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Cidades do extremo sul

Na subdivisão que o IBGE usou de 1989 a 2017, o Rio Grande do Sul tinha 7 mesorregiões: Noroeste, Nordeste, Centro Ocidental, Centro Oriental, Metropolitana, Sudoeste e Sudeste. O sistema atual tem 8 regiões intermediárias. Vejamos a origem dos nomes dos municípios da mesorregião Sudeste (o extremo sul do estado e do país). 

SUDESTE SUL-RIO-GRANDENSE
25 municípios

Serras de Sudeste (7)

Amaral Ferrador. Emancipado de Encruzilhada do Sul em 1988, com o nome do general José Amaral Ferrador (1801-1879), que atuou como militar brasileiro, até o fim da Guerra do Paraguai (1870), quando veio morar nesta zona, onde está sepultado (v. histórico da cidade). Foto de época diz que nasceu em Rio Pardo, município rio-grandense que no século XVIII ocupava a maior parte da província (estado). 

Caçapava do Sul. Do tupi caá, erva, mato, folha, + assapaba, passagem: clareira no mato (Vocábulos Indígenas na Geografia do RS, Nelson França Furtado, 1969, p. 38). Outra versão diz: ka'a, mata + asab, atravessar + aba, lugar: ka'asababa, "lugar de atravessar a mata" (Eduardo Navarro, 2013). A primeira povoação foi um acampamento militar, localizado numa clareira, que em 1777 tomou o nome de Paragem de Cassapaba (Wikipédia). Há outra Caçapava em SP.

Candiota. Os candiotas foram imigrantes gregos de Cândia (antigo nome da capital de Creta) que vieram para a região. Daí veio o nome do Arroio Candiota, que corta o município de norte a sul (Giovani Cherini, 2007). A vizinha Pinheiro Machado tem um distrito com o mesmo nome.

Encruzilhada do Sul. O primeiro povoado surgiu com uma capela que, na segunda metade do século XVIII, recebeu o nome de Santa Bárbara de Encruzilhada, sendo declarado freguesia em 1837. A santa era devoção dos fundadores, e a capela devia encontrar-se perto de uma encruzilhada.

Pinheiro Machado. Em 1879, a freguesia de Nossa Senhora da Luz de Cacimbinhas emancipou-se de Piratini. Quando o senador José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915), fazendeiro natural de Cruz Alta, foi assassinado na capital da República, o prefeito de Cacimbinhas decidiu mudar o nome do município para Pinheiro Machado, com o motivo de que o assassino, Manso de Paiva, era natural dali (v. histórico).

Piratini. Do tupi pirá, peixe, e tininga, seco, endurecido: o peixe seco. Piratini é a forma guarani do tupi Piratininga (município em SP). A origem, segundo o Pe. José de Anchieta, era do fato de o rio transbordar e deixar o peixe em seco (Nelson França Furtado, p. 141).

Santana da Boa Vista. O primeiro povoado nasceu quando Jacinto Inácio da Silva obteve uma graça de Nossa Senhora de Santa Ana e doou terras para construir uma capela a sua devoção e um vilarejo. A área se emancipou de Caçapava do Sul em 1965 (v. histórico). O local onde Jacinto salvou a vida, em 1821, é hoje o Parque Municipal Toca da Tigra.

Toca da Tigra, onde Jacinto Inácio sobreviveu ao ataque de uma onça, graças à oração.

Microrregião Pelotas (10)

Arroio do Padre. Do padre Francisco Xavier Prates (Laguna, SC, 1732-1784, v. genealogia). Em 1783, o padre Francisco fundou e administrou feitoria têxtil na zona, morrendo pouco depois, e é lembrado pelo nome do Arroio do Padre (curso d'água) e da posterior Colônia do Padre (povoado), de onde vem o nome do antigo distrito de Pelotas e, desde 1996, município. A explicação é do historiador Cláudio Moreira Bento, na revista O Gaúcho, 2004 (p. 8 e 16).

Canguçu. Duas possíveis origens: ou de caa-guaçu, mata grande, ou de acaanguaçu, onça-pintada. Ambas interpretações se relacionam com características da região. A atual Ilha da Feitoria, defronte a Pelotas na Laguna dos Patos, chamava-se antes Ilha de Canguçu (ver o trabalho acima citado, de Cláudio Moreira Bento). No século XIX, uma família baiana adotou o sobrenome Canguçu; lá existiam onças, e pouca vegetação. Nelson França Furtado (p. 44) confirma: de acanga, acã, cabeça, e uçu, grande: "cabeça grande", nome dado a uma variedade de onça.

Capão do Leão. Caapão, capuão ou capuã (aportuguesado como capão): do tupi ka'á pu'ã, mato arredondado, ilha de mato no meio do campo (Aurélio, 1975); ou kaa' paú, mesmo significado (Antônio Geraldo da Cunha, 2007); ou tupi-guarani caá-paun, mata isolada (Carlos Teschauer, 1928), ou caá-pãu, mato formando ilha (Luiz Carlos de Moraes, 1935).
            E o leão... é de um sobrenome (como ocorre com Minas do Leão, RS) ou de um animal (como é o caso de Jaguarão, Canguçu e a Toca da Tigra em Santana da Boa Vista)? O mais provável é a segunda hipótese, ainda que não se tenham achado evidências. V. artigo de Joaquim Dias (2007).

Cerrito. O nome nasce da localidade de Cerrito Velho, no século XIX, dando origem a uma Vila Cerrito, distrito de Pedro Osório até 1995 (v. histórico). Um cerrito é uma elevação menor que um cerro (monte baixo) e maior que uma coxilha (colina em forma de lomba).

Cristal. Distrito de Camaquã até 1988, surgiu na área da Estância Cristal, da família de Bento Gonçalves da Silva, e essa estância originou-se da Sesmaria de Cristal, recebida pelo pai de Bento Gonçalves (v. histórico). Curiosamente, há outro município no mesmo estado, chamado Cristal do Sul, criado em 1995, mas que fica mais ao norte.

Morro Redondo. Distrito de Pelotas até 1988, tomou o nome de um monte com forma arredondada próximo à zona urbana (v. histórico).

Pedro Osório. Localiza-se em terras que pertenceram ao fazendeiro e político Pedro Luís da Rocha Osório (1854-1931).

Pelotas. Tomou o nome do Arroio Pelotas, e este de pequenas embarcações que se usavam até o século XIX para levar apetrechos ou uma pessoa por vez, de uma margem a outra de um rio. V. postagem deste blog Pelota, a embarcação.

São Lourenço do Sul. Toma o nome do arroio São Lourenço e da Fazenda São Lourenço, onde em 1815 foi feita uma capela em devoção desse santo; em 1858 começou a colonização alemã e o nome da Colônia São Lourenço (v. histórico). O nome de São Lourenço como município só foi oficializado em 1890 (v. IBGE). Há outras 5 cidades brasileiras com este nome (MG, PE, PI, SP, SC). Lourenço foi um diácono martirizado no ano 258 em Roma.

Turuçu. Nome tomado do Arroio Turuçu (significa "grande"). Foi distrito de Pelotas até 1995, com o nome de Vila Lange.

Microrregião Jaguarão (4)

Arroio Grande. A freguesia de Nossa Senhora da Graça de Arroio Grande pertenceu a Jaguarão até 1873; desde 1815 existia a capela com essa devoção dos primeiros povoadores. Desde as origens a referência geográfica batizou a cidade.

Herval. Em 1791 erigiu-se uma capela para São João Batista do Herval, referência tomada do Arroio do Herval. Assim foi denominado pela existência natural de erva-mate. Na época, "erval" (plantação ou mato de erva-mate) escrevia-se com H. Inclusive a palavra com E não está em todos os dicionários, e nesta acepção de erva-mate é tida como platinismo (yerbal), até mesmo no dicionário oficial de espanhol. O Novo Aurélio (1975) registra a cidade gaúcha como Erval, mas o nome ficou no original, como aconteceu com a Bahia, Bagé e Erechim, cujas grafias em português são baía, Bajé e Erexim.

Jaguarão. Em 1802 instala-se acampamento militar à margem do rio Jaguarão, na época em território espanhol. No Paraguai existe a cidade de Yaguarón, do guarani yaguarú, jaguar grande. Nelson França Furtado (p. 110) explica que o tupi yaguá denominava a onça; passou a aplicar-se ao cachorro, e a onça ficou como yaguaretê, onça verdadeira. O mesmo autor acredita que jaguarão seja yaguá + nharõ: onça ou cachorro bravo. 

Pedras Altas. Em meados do século XIX a região era conhecida como “Coxilha das Pedras Altas”, conforme carta escrita por um oficial das forças de Bento Gonçalves. Joaquina, filha de Joaquim Francisco Assis Brasil, disse em 1969 que os engenheiros da ferrovia, em busca do melhor local para instalar os trilhos, em 1884, "descobriram duas pedras enormes, uma apoiada sobre a outra, com altura aproximada de cinco metros. Admirados com a obra da natureza, fizeram um esboço do achado, ao qual deram o nome de Pedras Altas” (histórico IBGE).

Litoral Lagunar (4)

Chuí. Toma seu nome do Arroio Chuí. Para Nelson França Furtado (p. 56-57), chuí é o nome indígena do canário-da terra, pássaro sul-americano (neste caso, a subespécie natural do Uruguai); chuí-y é o rio dos chuís. O mesmo autor (p. 57) anota que para o historiador Sousa Docca, chuê, tartaruga, dá chuê-y, rio de tartarugas. Veja o Diogo Elzinga mostrando a mesquita do Chuí.

Rio Grande. "Rio Grande" alude à desembocadura da Laguna dos Patos no Atlântico, e origina o nome do próprio estado (Wikipédia). Veja postagem neste blog: Rio Grande: no sul, norte e centro.

Santa Vitória do Palmar. O Comendador Manoel Corrêa Mirapalhete, fundador do município e responsável pela construção da igreja, era devoto de Santa Vitória; acrescentou-se "palmar" ao nome da cidade devido à grande quantidade de palmeiras então existentes (v. reportagem e um histórico da cidade). 

São José do Norte. A primeira capela da localidade tinha como padroeiro São José. O "norte" se deve a estar do lado norte da barra do Rio Grande (v. histórico).

Sobre o Castelo de Pedras Altas. Veja tb reportagem de ZH.

terça-feira, 30 de julho de 2024

Cidades da Campanha gaúcha

No sistema de subdivisão que o IBGE usou de 1989 a 2017, o Rio Grande do Sul tinha 7 mesorregiões: Noroeste, Nordeste, Centro Ocidental, Centro Oriental, Metropolitana, Sudoeste e Sudeste. Atualmente o Estado se subdivide em 8 regiões intermediárias: Porto Alegre, Pelotas, Santa Maria, Uruguaiana, Ijuí, Passo Fundo, Caxias do Sul e Santa Cruz/Lajeado.

Verifiquemos a origem dos nomes de cada município da mesorregião Sudoeste (popularmente, Campanha). No francês, formou-se a palavra champagne (planície de campo) para opor-se a montagne (zona montanhosa). No tempo da Antiga Roma, existia a região da Campania, que pode ter originado o italiano campagna e o francês champagne. Da Champagne francesa provém a bebida alcoólica que conhecemos como champanhe.

SUDOESTE SUL-RIO-GRANDENSE
19 municípios

Campanha Ocidental (10)

Alegrete. Toma o nome de seu fundador legal, o quinto Marquês de Alegrete, que iniciou a povoação em 1817. O título de nobreza fora criado pelo rei português em 1687. Em Portugal, Freguesia de Alegrete é uma vila de 1400 hab. do município de Portalegre, região do Alentejo, vizinho à Espanha. 

        Se Alegrete viesse do árabe, teria origem em al-iklil, alecrim, planta que se dá na região ibérica. Se não fosse assim, seria um diminutivo de Portalegre, assim denominada por estar a poucos km da fronteira e numa área verdejante, do latim portus (ponto de passagem) e alacer (aprazível), que deu alecris no latim vulgar. 

Barra do Quaraí forma uma península fluvial no rio Quaraí, de onde toma o nome. Fica no extremo ocidente do estado.

Garruchos. Atribui-se o substantivo masculino a homens que usavam garruchas, lanças com uma faca curva na ponta, para caçar animais (aparecem em duas pinturas de Debret; v. figura abaixo). Outra hipótese é que proviesse das garruchas, armas de fogo usadas por bandeirantes (v. sítio da prefeitura). Se fossem garruchas de fogo, teriam sido usadas por invasores perigosos, e não dariam origem a um ideal positivo do tipo vaqueiro gaúcho, a ponto de batizar uma localidade. Garruchos foi distrito de São Borja até 1992 (v. Wikipédia).

Itaqui. Em guarani, ita, pedra, e ku'í, mole; "pedra de afiar". As margens do rio Uruguai são cheias de pedras boas para afiar instrumentos.

Maçambará. Antigo distrito de Itaqui, trocou seu nome de Recreio para o atual, cujo significado é: "pasto onde acampam os tropeiros".

Manoel Viana. Foi distrito de São Francisco de Assis até 1939, quando passou a chamar-se Vila de Manoel Viana, em homenagem ao intendente (prefeito) de 1908 a 1916, informa a prefeitura.

Quaraí. Batizada após o rio Quaraí. Conforme pesquisa de Nelson França Furtado (Vocábulos indígenas na geografia do RS, p. 147), há duas interpretações para o termo tupi-guarani

    "ou é Guará-hy, rio dos guarás, ou Quara-y, rio das covas ou dos buracos" (segundo T. Sampaio). Parece mais provável, entretanto, que derive de cuaracy (tupi), cuarahy (guarani), "o sol".

São Borja. Primeiro dos Sete Povos das Missões, fundado pelos jesuítas espanhóis no século XVII com o nome do espanhol São Francisco de Borja (1510-1572), homenagem ao terceiro superior geral da ordem dos jesuítas.

São Francisco de Assis. Um dos antigos povoados das missões jesuíticas, com o nome do santo italiano do século XIII.

Uruguaiana. Significa "cidade sobre o rio Uruguai". No livro de Nelson França Furtado, citado acima (p. 181), diz em Uruguai: 

    De uruguá, caracol, + y, água, rio: o rio dos caracóis.
    Jover Peralta, prefere: uru-guá-y, de uru, ave, + guá, procedência, lugar, + y, água, rio: rio da região dos urus.
    Batista Caetano dá Yruguai, rio do canal.

Veja 6 hipóteses para Uruguay na Wikipedia em espanhol.

Campeiro dos pampas, de Debret (1834).
À esq., lanceiro com garrucha.

Campanha Central (4)

Rosário do Sul. A prefeitura informa que a padroeira do lugar foi Nossa Senhora do Rosário, desde o início do século XIX, antes de emancipar-se dos municípios vizinhos. Há outras 3 cidades brasileiras com este nome (MA, PR e MT). Essa devoção mariana nasceu em 1214. na França.

Santa Margarida do Sul. Distrito de São Gabriel desmembrado em 1996, mantendo o nome de Santa Margarida. Acrescentou-se "do Sul" pois existe outra cidade com o mesmo nome em MG. Conta-se que a área do antigo distrito pertencia a uma fazendeira chamada Margarida. 

Sant'Ana do Livramento. A povoação portuguesa começou com a fundação de uma capela dedicada a Santa Ana do Livramento, cerca de 1810, inicialmente ligada a Alegrete.

São Gabriel. O sítio da prefeitura relata que o nome vem de 1800, quando o fundador espanhol do povoado quis homenagear Gabriel de Avilés, que na época governava o vice-reino do Rio da Prata. O governo imperial brasileiro manteve a denominação original. No Brasil há outras 4 cidades com este nome (AM, BA, ES, MS); nestes casos, a referência foi o Arcanjo Gabriel.

Campanha Meridional (5)

Aceguá. No tupi yace-guab pode significar: "lugar de descanso eterno", "terra alta e fria" ou "seios da lua", diz Wikipedia. Nelson França Furtado (p. 16) prefere ler: yaci, lua + cuá, cintura, meio: "vale da lua".

Bagé. No vocabulário de Nelson França Furtado (p. 27) há duas hipóteses, sem comprovação: ou seria corruptela do tupi-guarani pajé, feiticeiro, ou alteração de Ibagé, nome de um índio charrua que teria vivido e morrido na zona. Wikipédia cita as duas possibilidades, e traz uma terceira: Bagé vem de baag, "lugar do qual se retorna", que seriam os cerros da região. Diones Franchi (17-11-2015) escreve sobre o índio Ibagé, e aponta que mbayê ou bayé são os cerros que deram nome a Bagé.

Dom Pedrito. Segundo Wikipédia, em 1800 a zona começou a ser povoada, já como Nossa Senhora do Patrocínio de Dom Pedrito. O espanhol basco Pedro Ansuateguy, de onde veio o nome Don Pedrito, abria caminhos para o contrabando que organizava ao redor de 1770. O município foi antes distrito de Bagé, até 1872.

Hulha Negra. A riqueza da região é o carvão fóssil preto, a hulha, do francês houille. Foi distrito de Bagé até sua emancipação em 1992.

Lavras do Sul. Contam que, no século XVIII, um garimpeiro encontrou, no arroio Camaquã, uma pepita de ouro semelhante à imagem de Santo Antônio de Pádua, motivo pelo qual o lugar ficou com o nome de Santo Antônio das Lavras. "Lavra" refere-se à mineração; assim como lavoura e lavradio, vêm do latim labor, laboris. Emancipou-se em 1882; distingue-se de Lavras (MG).

domingo, 28 de julho de 2024

Rio Grande: no sul, norte e centro


O Rio Grande do Sul ganhou esse nome no século XVII, quando os cartógrafos denominaram a entrada à Lagoa dos Patos como Rio Grande (v. Wikipédia). Essa primeira impressão batizou a futura Vila do Rio Grande e a futura província. Com o tempo, viram que não era um rio, e sim a desembocadura de um volume maior, proveniente da assim chamada serra gaúcha, ao norte da capital. Foi nomeada como lagoa; hoje "laguna" (lago que desemboca no mar). São uns 300 quilômetros desde Porto Alegre até o oceano.

Os patos

Os guaranis patos ou Carijós (étimo tupi, v. Wikipédia) viviam no litoral, desde o sul de São Paulo, nos séculos XVI e XVII, até a Laguna dos Patos (RS); eram tribos pacíficas. Nelson Furtado (p. 50) não explica o termo; somente que o grupo vivia da Cananeia (SP) até a Lagoa dos Patos (RS). O mesmo autor (p. 137) sustenta que "pato" é referência aos animais, não a fator étnico. O Novo Aurélio (1975) distingue os patos como índios que viviam somente às margens da Lagoa dos Patos. O mesmo é registrado no Vocabulário Sul-rio-grandense (Globo, 1964). Sabe-se também que os portugueses batizaram a área da atual Florianópolis, onde viviam os Carijós, como "Ilha dos Patos" (v. relato).

O mais provável é que essa tribo do grupo guarani tenha se identificado como Carijós, e recebesse o apelido secundariamente, por alguma semelhança com as aves, pois não se sabe de outros índios chamados "patos", palavra que não é indígena.

No Brasil há 5 municípios com esse nome: Patos (PB), Patos de Minas (MG), Patos do Piauí (PI), Lagoa dos Patos (MG) e São João dos Patos (MA); nesta última existe uma Lagoa dos Patos (sem saída ao mar). No entanto, todas elas (cidades e lagoa) se referem às aves, não aos indígenas do sul. 

O do norte

Coisa parecida ao "rio grande do sul" havia ocorrido no extremo norte do Brasil, com o rio Potengi, que deu nome à Capitania do Rio Grande (do Ceará à Paraíba). No século XVI, as 14 capitanias foram designadas e abarcavam até Laguna (hoje SC). 

O do sul 

O Rio Grande do Sul, que não foi capitania, começou como província, já no século XVIII. E somente seria considerado parte do Brasil depois de guerras e tratados: a província "cisplatina" (do lado de cá do Rio da Prata) ficou para os castelhanos. Como já existia um Rio Grande no norte da colônia d'além mar, o nosso, que ainda era território disputado com Espanha, ficou como Rio Grande do Sul, e o original (nordestino) ganhou o adjetivo antônimo, para evitar confusões.

O do centro

Até hoje também existe o rio Grande, formador do rio Paraná, junto com o Paranaíba (ambos ao norte do Tietê). O Grande é rio e não denominou cidade nem estado.

Imagem: Wikipédia.

sábado, 27 de julho de 2024

Mochila, o acessório

Sabemos o que é uma mochila, mas de onde saiu esta palavra tão popular e sempre atual? Na Wikipédia, este verbete é muito reduzido; vemos que "mochila" só se usa em português e castelhano, enquanto o basco e o catalão têm palavras muito parecidas: motxila motxilla.

Os dicionários de português dão como origem o espanhol mochila (Novo Aurélio, Antônio Geraldo da Cunha, Priberam, Michaelis). Mas qual o caminho histórico da palavra? Acharemos no espanhol.

  • Para Joan Coromines, etimologista espanhol, o basco mutil, menino (cujo diminutivo, para ele, seria motxil) originou o espanhol mochil, com o significado de "menino de recados", e o termo passou ao acessório que os criados usavam para levar cargas. Por sua vez, o termo basco viria do latim mutilus, mutilado, podado, pois aos jovens lhes raspavam o cabelo. 
  • Essa explicação, da Wikipedia em espanhol, encontra-se no Wikcionário em português. E é completada pelo site A origem da palavra: os escravos romanos é que eram raspados (mutilus) e usavam recipientes de carga.
  • O etimologista argentino Héctor Zimmerman diz que mochila vem do basco motxil, "servo jovem", nome que passou ao saco em que os meninos levavam cargas dos caçadores ("Tres mil historias", Aguilar, 1999, p. 334). Este autor, no mesmo livro, anota que mochila vem de mocho, baixinho, rapazinho; os jovens que trabalhavam no campo usavam muito esses sacos. E daí também saiu o castelhano muchacho (p. 137).
  • O dicionário castelhano da RAE apoia essas histórias. Mochila veio de mochil, menino que ajuda no campo, e este do basco motxil, diminutivo de motil, menino. 
  • No tradutor Google, garoto em basco é mutila, e seu diminutivo mutikotxoa. A palavra para mochila é motxila, a mesma do catalão motxilla. Parece lógico que estas duas provieram do espanhol, e o espanhol, como sabemos, vem do latim. Na origem de tudo, a Roma antiga.


O espanhol mocho originou muchacho e mochila
Possivelmente, também daí veio o basco mutil.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

O sotaque da fronteira


A cantora e compositora Lara Rossato é natural de Dom Pedrito, município da Campanha gaúcha (antes denominada pelo IBGE mesorregião Sudoeste). Com muito humor, ela fala frases da zona de fronteira, sem chegar ao portunhol. Veja aqui o vídeo no Instagram (29-1-24). 

portunhol (portu-guês + espa-nhol) é o português com termos castelhanos intercalados, mistura usada em toda a faixa de fronteira, do lado de cá (do lado de lá, é o espanhol com inserções de português). Além do estilo "salada de ingredientes", também há hibridismos, formas espúrias, que não existem em nenhum dos dois idiomas. 

Nesse segundo vídeo sobre sotaque (veja aqui o primeiro), ela não explica essas expressões da fronteira, seja por conhecidos ou por compreensíveis; o que ela quer mostrar é o sotaque (sua pronúncia é gaúcha, mas não é rural; está influída pelos muitos anos que viveu em Pelotas e Porto Alegre). Aqui veremos a etimologia dos regionalismos, de acordo aos dicionários. Confira o que ela diz.

  • Tô bem de bem e tu?
  • Que borrachera tava o guri, ainda chegou em casa e tomou uma tunda de pau.
  • Tá, te acalma tchê!
  • hein, tu viu que deu uma pechada lá no centro?
  • Né, não vou sair nem a pau, tá babando água.
  • Ah ma' vai te deitar, , me 'floxa um pouco.
  • pára de inticar com a guria.
  • oigaletê porquera, bota loqueteio
  • ah não, te larguei pras cobra!
  • [Obrigado!] Merece!

! (Interjeição de espanto). Barbaridade! Mas bá! Mas que barbaridade! (Aurélio, Wikcionário e Michaelis registram "bah", neste sentido). A mesma interjeição existe em português (Priberam) e espanhol (RAE) no sentido de indiferença, desdém (aí o tom de voz fica mais grave e seco). Priberam registra os dois significados como "bah" e como "bá 2", sem relacionar com "barbaridade" (bah poderia equivaler a má, pá, psss...). E por que esse agá final, ninguém explica.

Borrachera (espanhol). Borracheira, bebedeira. Neste sentido de ebriedade, Aurélio (1975), Wikcionário e outros atribuem ao espanhol borracha, recipiente para vinho. 

        No português, a borracha passou também ao sentido de "látex", mas os dicionários não dizem como. A dedução lógica seria que, na extração do látex ou goma vegetal, se usassem sacos de couro (já chamados borrachas). Veja a segunda acepção "por analogia" no Michaelis, e a 5ª acepção no Priberam (recipiente elástico).

Flóxa. Flôxo (Aurélio) é do espanhol flojo, onde o verbo é aflojar, afrouxar. Na fala inculta, "rouba" se diz róba; pousa, pósa. Popularmente, também se troca: baixar/abaixar, chegar/achegar, entrar/adentrar,  perceber/aperceber. Me afrouxa (me 'flóxa), me dá um tempo. Trata-se de um híbrido de idiomas; em espanhol se diria aflójame, solta-me.

Guri, guria. Do tupi kiri, e/ou guarani ngiri, pequeno. Aplicado ao bagre novo e por extensão a crianças. Usa-se no espanhol platino como gurí / gurisa.

Inticar. Enticar (Aurélio), implicar, provocar, importunar, mexer com alguém. Altercar, brigar, discutir. Michaelis atribui ao latim intaedicare, entediar. É muito mais provável que seja uma alteração de "intrigar", por sua vez de intrincar, do latim intricare, emaranhar, enredar. Está nos dicionários de regionalismos gaúchos, mas provém de Portugal, mais usado em Açores (Priberam), de onde vieram imigrantes ao sul do Brasil.

Loqueteio. Do adjetivo "louco" sai louquejar, loucura e louquice; também enlouquecer e enlouquecimento (todos no Aurélio). Em espanhol: loco, loquear, locura, enloquecer (não dicionarizados: loquillo, loqueo, payaseo). Mas o povo cria termos e conceitos: loucurada, louquear, louquejada. Se houvesse "louquete" como diminutivo carinhoso, o substantivo seria louqueteio. Como em pastoreio, devaneio, veraneio. 

        E de onde vem louco/loco ? Encontramos o étimo árabe no dicionário da RAE: lawqa, estúpido. Note-se que em línguas não ibéricas usam-se outros termos (francês folie, italiano folia).

Merece! Dizem que em Pelotas surgiu esta resposta para agradecimentos. Equivale a "não há de quê; não precisa agradecer", mas em formato positivo, amoroso: "o mérito é teu". Kleiton e Kledir a incluíram na canção Pelotas. Também está nesta lista de termos pelotenses.

Oigaletê! Do espanhol óigale, ouça-lhe, escute! A sonoridade transformou a palavra numa interjeição de espanto (como bá), que aparece no Aurélio em suas formas oigalê (óigale aportuguesado) e oigatê ("ouça-te", forma inventada por quem não sabe falar espanhol). Para enfatizar a sonoridade do trissílabo, o gaúcho criou nova forma: oigaletê, ouça-lhe-te! Oigalê, moça linda!

Pechada. Do espanhol pechada, peitada, golpe ou encontrão com o peito (DRAE, 2ª acepção). Está no Aurélio, Vocabulário sul-rio-grandense (Globo, 1964) e Priberam como choque físico, embate (entre pessoas ou entre cavaleiros) e como pedido de dinheiro. Nenhuma fonte anota como o único sentido usado em Pelotas e região: batida de carros em área urbana. A pechada foi feia mas ninguém se feriu.

Porquêra. Porqueira, porcaria. Em espanhol, porquería, ou porquera, lugar de porcos. Em sentido abstrato, o gaúcho entende como: briga, confusão, enredo, degradação (Vocabulário sul-rio-grandense, Globo, 1964). Deu numa grande porqueira (num imenso problema). Não é pouca porqueira (não é algo insignificante).

Tchê. Do espanhol platino che (v. DRAE), interjeição para chamar pessoas (equivale a ei, ouça). Aurélio registra como ché e chê, pronunciado como tchê. Sua possível origem na língua quíchua e mapudungun, onde significa "gente" (v. Wikipedia em espanhol), explica seu uso atual como interjeição ou como um vocativo genérico (cara, homem, cidadão): Tchê, me dá uma informação! Tchê, não sei tê dizer.

Tunda. Do latim tundere, golpear, tundar. Surra, sova. Usa-se mais em espanhol, pois existe o verbo tundir. Tê dou uma tunda dê laço!

Para conhecer algo de Lara Rossato, veja reportagem ZH De Dom Pedrito para o mundo (julho 2016) e Entre humor e música regionalista, de uma semana atrás. 

Lara era o nome de uma náiade, divindade grega das aguas doces, que era muito falante, e na mitologia romana ficou conhecida como Tácita. Rosso é vermelho, em italiano, e se aplica a pessoa ruiva, com o cabelo avermelhado (rossato). O vídeo abaixo é para ratificar que a Lara tem grande expressão oral e corporal, e não é ruiva.

terça-feira, 23 de julho de 2024

Aves e aviões no Museu Carlos Ritter

O Museu de Ciências Naturais Carlos Ritter fica em Pelotas, na praça Coronel Pedro Osório nº 1, a casa geminada com o nº 3, na esquina com a Félix da Cunha. O prédio pertence aos descendentes do senador Joaquim Augusto de Assumpção (1850-1916). 

O canal Urbanista Caminhante completou ontem (21/7/24) dois anos, com 471 vídeos de exploração urbana e rural da nossa região, praticamente 20 por mês.

Sobre as proezas de Joaquim Fonseca (1909-1968), veja o artigo de Lourenço Cazarré O aviador que virou canção, e a nota que escrevi em 2013 sobre a música Jôquim, de Vítor Ramil, escrita em 1987, com uma série de ficções sobre o engenhoso engenheiro pelotense. 

A palavra avião foi criada em 1890, especialmente para o novo invento que estava aparecendo naquele ano. O engenheiro francês Clément Ader (1841-1925), um dos pais do aeroplano, tomou a palavra latina avis (ave) e lhe pôs o sufixo aumentativo. O termo originou "aviação" e "aviador", primeiro no francês e depois em outros idiomas. 

Em 1906, Santos Dumont, que nasceu em 20 de julho, conseguiu voar mais tempo que Ader, e levou a fama. O avião já estava batizado. Voar ainda é com os pássaros (do latim passere, pardal, conforme Priberam). Eles voam para a paz, não para a guerra.

Biguá vem do tupi ibi gwa, pé redondo, palmípede (Novo Aurélio, 1975). Em nossa região é mais conhecido como mergulhão, ave que mergulha nos banhados para fugir de predadores (gentílico informal dos vitorienses).


sábado, 20 de julho de 2024

Palavras angolanas


A colonização portuguesa na África, desde o século XVI, trouxe uma influência linguística mútua: as línguas africanas influíram no português, e algumas palavras do português foram assimiladas pela fala africana. A primeira influência foi imensamente maior, sendo o maior fluxo proveniente de Angola, país que tem seis línguas nacionais (v. Línguas de Angola), e o destino foi especialmente o estado brasileiro da Bahia. 

O sul do Brasil, de clima temperado, foi onde a imigração europeia se concentrou, mas grande quantidade de escravos foi trazida para fazendas da área das charqueadas desta região. Esse povo escravizado provinha do sudoeste africano e falava principalmente o quimbundo, da etnia ambundo, a segunda mais numerosa em Angola. 

    Nas páginas acima encontramos algumas palavras africanas que foram aportuguesadas nos últimos séculos, cuja etimologia vamos checar em mais de uma fonte: Novo Aurélio (1975), Antônio Geraldo da Cunha (2007) e outros online. Elas são ouvidas por todo o Brasil e não são conhecidas no espanhol. Vejamos 10 delas que também se usam no Rio Grande do Sul.

    BAMBA. Do quimbundo mbámba (mestre, exímio). Origem reconhecida pelo Aurélio. Veja variantes mbamba e mbâmba no dicionário de Assis Júnior, parte I, p. 17. Cunha (2007) também anota a variante brasileira "bambambã". No espanhol, bamba tem outra origem e outros sentidos.

    BELELÉU. Citado por Geovany Fernandes ("7 palavras angolanas") como proveniente do quimbundo mbalale (sepultura, campo de sepultamento). Assis Júnior parte I define mbalale como cemitério. Os dicionários de português desconhecem origem de "beleléu".

    BUNDA. Do quimb. mbunda (nádegas, traseiro). Aurélio; Cunha; MichaelisWikipédia. No Brasil ganhou o eufemismo infantil "bumbum". Consta no dicionário kimbundu-português de A. de Assis Júnior parte I.

    CAMUNDONGO. Do quimb. kamundong (rato). Origem confirmada em: Aurélio; Cunha; Wikcionário. Informado por Geovany Fernandes.

    COCHILAR. Do quimb. ku (infinitivo) + koxila (dormita). Aurélio; Michaelis. Cunha e Priberam não informam origem. Está no dicionário de A. de Assis Jr. parte II, p. 196.

    FAROFA. Do quimb. falofa, mistura de farinha com vinagre ou água. Aurélio; MichaelisWikipédia.

    MARIMBA. Do quimb. ma (plural) + rimba (tambor). Aurélio; Cunha; Priberam; Wikipédia. Também está no Dicionário Espanhol RAE. Um teclado pode ser visto como coletivo, e cada tecla como um tambor.

    MARIMBONDO. Do quimb. ma (plural) + rimbondo (vespa). Aurélio; Cunha; Wikipédia; Wikcionário. Um marimbondo é um enxame ou vespeiro, conforme dicionário de Assis Júnior, parte II, p. 278.

    MOLEQUE. Do quimb. muleke (menino). Aurélio; Cunha; Priberam; MichaelisWikcionário. No Brasil ganhou feminino "moleca". Citado por Geovany Fernandes ("10 palavras do kimbundu").

    QUILOMBO. Do quimb. kilombo (povoação; arraial). Aurélio; Cunha; Wikipédia. No Brasil surgiu "quilombola", de possível cruzamento com palavra tupi (segundo Aurélio, assim como Cunha). Quilombo também está no espanhol, com sentidos pejorativos (Dicionário RAE). 

    • Outras palavras do quimbundo que pesquisei seguindo os links acima: 

    Caçula (kasule, último), Cafuné (kifune, estalido das unhas), Canjica (kanjika, guisado de feijão e milho), Fubá (fuba, farinha), Maconha (makaña, tabaco), Mocotó (mukoto, pé de vaca), Mungunzá (mukunza, milho cozido), Quitanda (kitanda, feira), Senzala (sanzala, casa de serviçais), Xingar (kuxinga, injuriar), Zumbi (nzumbi, alma penada, espírito, duende).

    Samba vem de ki-semba (umbigada na dança), segundo Aurélio e muitos etimologistas. Geovany Fernandes o relaciona com o verbo kúsamba (orar), mas seria mais provável a relação com os verbos kusámba (saltitar) ou kurisamba (regozijar-se), consultado o Kimbundu Homepage e o Assis Júnior, parte II, p. 226. Também existe o verbo kusémba (agradar). Outra possibilidade em "samba" é a influência de outras línguas africanas como o quicongo e o chócue (v. Wikipédia). 

    Todas ou alguma delas também influíram no nome da zamba, dança sul-americana surgida na área do Peru e Argentina, no século XIX. Curiosamente, a Wikipédia em português desconhece este verbete mas a espanhola inclui "samba", e por separado "zamba".



    Bagual, o xucro

    Bagual está nos dicionários de português e de espanhol, como regionalismo platino. Nesta nota vemos três possibilidades etimológicas: corru...