domingo, 14 de julho de 2024

Pelota, a embarcação

O município gaúcho de Pelotas surgiu oficialmente em 1812 como Freguesia de São Francisco de Paula, pertencente à atual Rio Grande, que desde 1751 era a Vila de São Pedro do Rio Grande. Nossa vizinha-mãe foi o primeiro núcleo de colonização portuguesa na Capitania de São Pedro do Rio Grande do Sul, futuro Estado do Rio Grande do Sul. A primeira cidade e primeira capital deu nome à província e ao estado. O tal "rio grande" era a enorme foz da Lagoa dos Patos, que pensaram ser um rio.

O nome cristão

A nova freguesia (v. origem do termo) tomou o nome de São Francisco de Paula (1416-1507, italiano de Paola, Calábria), santo de 2 de abril, dia em que as forças portuguesas conseguiram expulsar a ocupação espanhola da Vila de Rio Grande, em 1776 (v. histórico). Devoção e gratidão fizeram que a memória desse Francisco perdurasse, e não só em nossa região, já que o santo é patrono de outras 7 cidades brasileiras (RS, SP, RJ e MG), conforme Wikipédia.

Desde 1812, aquele distrito rural, ainda dependente de Rio Grande, urbanizou-se e cresceu rapidamente, emancipando-se, em 1832, como Vila de São Francisco de Paula (v. Wikipédia). Foram vinte anos de impressionante progresso na futura cidade, assim como no país, que, nesse curto período, evoluiu de colônia portuguesa (então visitada por toda a corte real) até Império do Brasil (agora independente da pátria-mãe).

Em 1835, o governo da província imperial elevou as duas vilas à condição de Cidade, pela lei provincial nº 5, de 27 de junho daquele ano: Rio Grande a mais antiga, e Pelotas a vila desmembrada da anterior.

O nome pagão

O nome de Pelotas foi tomado do costume que já existia em 1812 de se referir a esta área como a vizinhança do "rio das pelotas". Na época, a expressão não parecia adequada para um nome eclesiástico: paróquia de Pelotas (Igreja e Estado, ainda unidos, denominavam a paróquia e a freguesia, cada um em seu âmbito). Pelota é diminutivo depreciativo de bola (do latim bulla, esfera).

O curso d'água hoje conhecido como Arroio Pelotas tem 60 km desde seus dois afluentes na Serra dos Tapes até desaguar no Canal São Gonçalo. Ficou como "arroio" apesar de ter características de rio (v. Wikipédia). O fato de não desembocar no oceano não seria bastante motivo para essa redução. Pode ter predominado a existência do Rio Pelotas na divisa entre os estados do sul (RS/SC). 

Conforme Bueno, Barreto e Dias (USP, 2021), foi nesse Rio Pelotas, mais tormentoso que o nosso, que Debret observou e pintou, no início do século XIX, o uso de barquinhos de couro puxados por um nadador (a legenda em francês: barque bresilienne faite avec un cuir de boeuf). 

Temos como certo que as pequenas embarcações, batizadas pelos portugueses (não pelos indígenas, que podem tê-las inventado mas não com esse nome), denominaram a região, logo esta palavra batizou o município e posteriormente tudo o que há nela: Porto de Pelotas, Shopping Pelotas, duas universidades, clube esportivo (de futebol, o esporte das pelotas). 

A polêmica parece estar na etimologia, que separa dois tipos de significados (possivelmente também origens diversas): 

  • a pelota esfera (dicionarizada como 1) e 
  • a pelota embarcação (dicionarizada como 2), onde os pesquisadores divergem: ou se relaciona com "péla" (forma esférica) ou com pele (material de couro). 

Conforme Antônio Geraldo de Macedo (2007), pelota vem do latim pila e seu diminutivo pilella, que deu no português "péla" (bola de brinquedo) e no espanhol pelota (com sufixo -ota). 

No entanto, o significado de pelota como embarcação é considerado regionalismo (RS e MT). Visitantes de outros países ou do norte do Brasil ficam estranhados e perguntam aos guias turísticos se o futebol é tão importante em Pelotas que chegasse a batizar a cidade.

Note-se que o dicionário oficial espanhol distingue: 

  • pelota 1 (esfera), relacionada com o latim pila, onde é listada nossa famosa embarcação americana: batea de piel de vaca que usaban en América para pasar los ríos personas y cargas;
  • pelota 2 (estar em pêlo), relacionada com pelote, roupagem menor, que deixa a pessoa seminua, quase "em pêlo". O linguajar hispânico deve ter ligado esta antiga camisola com a sonoridade pejorativa de "pelota" (e a nudez total associada).

Algumas definições de Pelota em português:

  • Embarcação ligeira, tosca e pequena, feita de um couro de boi inteiriço, utilizada para transportar passageiros de uma à outra margem de um rio (Novo Aurélio, 1975).
  • Grande cesto feito com o couro de boi, servindo de bote para a travessia dos rios (Cândido de Oliveira, 1967).
  • Couro de boi recobrindo um trançado de varas que serve de meio de transporte de pessoas e cargas de uma margem à outra de um rio (Michaelis).

A ideia mais difundida é que a embarcação foi batizada "pelota", provavelmente no Brasil, em função de sua forma arredondada, de péla; esta possibilidade é defendida pelo etimologista gaúcho José Romaguera Corrêa (Vocabulário Sul-rio-grandense, 1898). Considere-se que, entre as muitas acepções ligadas a pelota 1, está a de "fardo, pacote, trouxa"; a pelota era levada como um fardo. Mas também pode lembrar-se a relação, em português, com pêlo, do latim pilu (Novo Aurélio, 1975), do qual podia ser feita a pelota (Macedo, 2007).

A hipótese da pele de boi como material da pelota está no Michaelis, foi proposta pelo antigo pesquisador Henrique de Beaurepair-Rohan (1889), que nem era gaúcho nem viveu muito tempo na região, e hoje não é lembrada. 

Em 7 de julho de 2012, uma travessia de pelota foi encenada de uma beira a outra do Arroio Pelotas (v. nota). Abaixo uma parte filmada.


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